quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Jesus negão.

Este site é tão tosco que os própios autores deixam bem claro, nada contra um Jesus negro, mas tratam-o de forma ridícula.

A decadência do sistema educacional brasileiro agora é irreversível: fomos contatados por uma editora de livros didáticos (sério!) que pediu permissão para reproduzir a letra de Jesus Negão. O exercício que aparecerá no livro segue abaixo:

“(…) Uma das autoras do livro recebeu a canção por e-mail e a escutou enquanto trabalhava em seu computador. A adulta julgou a letra muito sofisticada e estava se divertindo muito, quando notou que a filha de nove anos ria ainda mais no cômodo ao lado. Achando bastante difícil que a criança estivesse “lendo” a sutileza da canção, a mãe solicitou sua presença e perguntou: “Como os caras fizeram para esta letra ficar engraçada?”. Visando a atender ao pedido de sua mãe, a criança solicitou que fosse impressa uma cópia da letra da canção. Com o papel em mãos, a menina retirou-se por alguns momentos aos seus aposentos e retornou com as seguintes anotações feitas no verso da folha:

As observações da menina são:

“1) Nas linhas 1 e 3 há uma paródia da série Jornada das estrelas;

2) Nas linhas 3 e 4 ela é interrompida por uma por uma propaganda de aluguel de casa;

3) Na linha 8 o uso da matemática está todo errado;

4) Na linha 8 consta um sobrevivente que não pode existir, uma vez que Itapuã é uma praia onde não houve massacre algum;

5) Nas linhas 12 e 13 “nego” foi usada com duplo sentido, de “pessoa” e de “negro”;

6) Na linha 16 o verbo conhecer foi usado de modo impossível. Como o narrador pode conhecer Jesus de verdade?

7) Na linha 17 a crucificação de Jesus é descrita de modo errado, pois numa cruz, não se enforca ninguém;

8) Na linha 20 aparece uma empresa que não pode existir, pois as coisas que terminam com “SP” ficam em São Paulo;

9) Nas linhas 21 a 24 usa-se novamente matemática esquisita;

10) Nas linhas 23 trazem um outro absurdo:Não é possível um preto ser verde;

11) Na linha 24 aparece um personagem impossível: um branco que é negro;

12) Nas linhas 26 e 27 se vai dar 100%, não era possível colocar tudo em um só?

13) Na linha 31 a imagem de Jesus jogando futebol é ridícula;

14) Na linha 32 a palavra “pregadão” tem duplo sentido, um é “cansado” e o outro “grudado com pregos (na cruz)”;

15) Na linha 36 foi usado duplo sentido na palavra “senhor”. Um é o de “Poderoso (Deus)” e outro é interlocutor do cara que está brigando;

16) Na linha 42 aparece uma denúncia do racismo. Quem gosta de rock diz que o “Álbum preto” é o melhor, não o pior disco do Metallica;

17) Nas linhas 45 a 47 aparece uma soma que dá mais de 100%;

18) Nas linhas 46 e 47 aparece uma insinuação ridícula de que o narrador deve ter muitas carteiras. Você já imaginou ter carteiras o suficiente para 45% da população de uma cidade roubar uma de cada vez?

19) Na linha 58 cria-se novamente uma imagem ridícula: Jesus de cabelo black power é demais!

20) Na linha 62 tem uma quebra quando o cara chama a Sharon Stone, que é loira, de “gostosa”;

21) Na linha 63 aparece pornografia insinuada: Que pedaço do corpo pode ser o “buraco negro”?

Vamos acompanhar os modos pelos quais a garota efetua sua leitura. O primeiro ponto a ser destacado é que ela não fez nenhum julgamento de valor. Confrontada com o texto, simplesmente o lê. Isto é, na medida do possível de sua faixa etária, empreende uma análise rigorosa das materialidades lingüístico discursivas do texto. Ressalte-se que, nesse caso, o trabalho foi induzido pela pergunta proposta pela mãe, que consistiu em um convite, para um trabalho em profundidade.

Para além dessa demanda, o que a criança precisava saber fazer para realizar a leitura rigorosa por ela apresentada? Analisando as respostas ofertadas, notamos que ela precisou:

1) Ater-se à pergunta que lhe foi feita, eximindo-se de se perder em divagações infrutíferas e, conseqüentemente, tornar-se incapaz de respondê-la;

2) Mobilizar elementos de sua enciclopédia (aquilo que chamamos de “conhecimento geral”), como, por exemplo, nas linhas 28 e 29);

3) Estar atenta à realização lógica entre os termos de uma proposição (no caso, se x, então y), podendo, assim, apontar sua quebra (como, por exemplo, nas linhas 28 e 29);

4) Levar em conta o léxico da Língua Portuguesa, que lhe permitiu perceber o emprego deliberado de vocábulos com duplo sentido (como em pregadão, nêgo e senhor);

5) Considerar as especificidades de cada tipo de texto, atenção esta que lhe fez reconhecer, por exemplo, um anúncio de imóvel no meio da paródia de Jornada das Estrelas;

6)Estar atenta à sintaxe da Língua Portuguesa, o que lhe possibilitou perceber a quebra sintática realizada na linha 76.

Para terminar, gostaríamos de afirmar que, embora levando em conta a singularidade dos leitores e a multiplicidade dos percursos de leitura possíveis, julgamos que os movimentos de leitura realizados pela criança nos fornecem importantes pistas para refletir sobre o que é necessário fazer quando nosso objetivo é ensinar a ler.”

Comentários extraidos de http://www.liberaobadaro.com.br



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